Voltei a ser eu!

 Quando eu realizei a minha primeira sessão de terapia minha maior dor era não saber mais que eu era. 

Na minha vida eu passei por muitas ocasiões em que precisei ser outra pessoa, pra me defender, pra não ficar vulnerável. E ao mesmo tempo eu precisei bancar meu estilo, meus gostos, meu jeito plural de viver, e quando se é pré-adolescente tudo isso é muito complicado, sofremos por sermos quem somos e sofremos tentando nos encaixar, e eu passei a ter uma atitude agressiva perante a vida, e isso me deixava exausta. Em casa eu também escondia meu jeito de ser dos meus irmãos, eu tinha medo de ser julgada, tinha vergonha de ser eu. 

Quando eu cresci, isso não foi diferente. Precisei ser quem precisavam que eu fosse, precisavam de uma designer, eu fui, precisavam de uma fotógrafa, eu fui, precisavam de qualquer coisa eu me tornei... 

Quando eu finalmente entrei na universidade eu me senti eu, me senti em casa estudando publicidade e propaganda e conhecer pessoas parecidas comigo, mas mesmo assim, quando eu chegava em casa e punha a dormir, eu despertava e sentia a dor da solidão, a insônia me perseguia. Nos trabalhos eu me sentia um peixe fora d´àgua. 

Sofria por não me sentir amada, por não ter um carinho, e assim aceitei qualquer forma de carinho, qualquer coisa era melhor que nada. 

Em janeiro de 2019 meu pai faleceu, depois de 5 anos difíceis, sofríveis, com mais dor que alegria, durante meu período de crescimento profissional, durante a parte da vida que eu deveria assumir riscos e me tornar quem eu queria ser. O falecimento do meu pai me tirou uma pedaço da minha personalidade, da minha referência, e neste período, cansada de tantas mudanças eu fui levando o relacionamento que eu tinha acabado de começar. Meu maior erro, meu único arrependimento na vida foi ter respondido aquela mensagem. Eu não tinha noção do quanto estava vulnerável pra entrar em um relacionamento. Eu me lembro da noite que meu pai morreu como se fosse ontem. Ele estava na UTI há quase 2 semanas, depois que o vi lá, eu sabia que ele não ia sair de lá com vida, apesar disso, no fundo, bem no fundo eu ainda tinha esperanças. Na semana que ele morreu, ele já tinha passado por mais um procedimento cirúrgico, ele não estava conseguindo falar direito depois que tiraram o tubo respiratório. Não me lembro quanto tempo depois disto eu estava no meu quarto, deitada, e falava com uma amiga no whatsapp que tentava me dar esperança, eu odeio quando querem me dar esperança quando é evidente que eu não devo alimentar este sentimento. Eu orei naquela noite para que Deus o levasse e terminasse com aquele inferno que meu pai vivia, eu não queria que ele tivesse uma vida acamado e dependendo de cuidados médicos diariamente. Então naquela mesma noite o telefone tocou de madrugada, acho que por volta das 4h da manhã. Eu não conseguia levantar da cama, eu já sabia que não eram notícias boas sobre meu pai. Acho que eu só consegui atender na 4ª vez que tocou, eu torcia pra minha irmã atender, ou minha mãe, mas ninguém foi. Então eu levantei, parecia tudo muito lento. Então atendi, o médico disse " é o familiar do Sr. Ivo Pasqual? Respondi: Sim. " O que a senhora é dele" - Sou filha dele, ele está bem? - Eu queria saber logo - " Preciso que um familiar do Sr. Ivo venha o mais rápido possível" - Eu insisti: Ele está bem? - " Preciso que venham pessoalmente". Ainda morávamos naquela casa mofada em Guarulhos, então liguei pra casa do meu irmão, ele morava há anos em São Paulo, então estava mais perto da Santa Casa, eu não conseguia pensar direito. Nesta hora a minha irmã apareceu no quarto, enquanto eu ligava na casa do meu irmão ela ligava no celular. Até que ele tendeu o celular e ela falou que ligaram do hospital, acho que foi ela, eu não me lembro se ela passou o telefone pra mim. Ele foi até lá. Fiquei esperando com o coração disparado e já previa a pior notícia da minha vida. Foi uma longa espera, até meu irmão ligar e dizer " o papai já foi, viu?", com a voz embargada, fraca... Eu tive que dar a notícia pra minha irmã e pra minha mãe. Eu vi a luz sumir dos olhos delas. É difícil ainda, escrever sobre isto. 

Fomos de carona com um "amigo" da Naná. Ele ouvia Raul Seixas, estava insuportável ouvir música naquela hora, eu queria silêncio... Eu não sentia os chão abaixo de mim, e ao mesmo tempo um peso nos meus ombros. Quando chegamos eu estava com medo, medo de ver meu pai dentro de um caixão. Entrei de mãos dadas com minha irmã, eu acho. Quando eu vi meu pai lá, só o corpo, sem a energia dele, sem o brilho dele, eu chorei tanto, eu achei que fosse cair no chão e sentei no banco com a cabeça entre as pernas, com as mãos segurando meu rosto. Ali ficou um pedaço meu, um pedaço de mim, da minha personalidade, da minha referência...


Depois daquele dia a minha vida não era mais só minha. Eu continuei apenas, como um zumbi, eu liguei no modo automático e fiz tudo que precisava fazer. Eu fugi ao álcool, cigarro, sexo com aquele namorado errado, e foquei em ser a melhor namorada, a melhor filha, a melhor designer... 


E veio a Pandemia. Não preciso nem comentar né? Eu estava de luto, presa em casa, com incertezas, medo, responsabilidades e nenhum prazer além do álcool, sexo e o trabalho. Pouco sexo, porque eu não o via o suficiente, mas eu tinha atitudes para manter a chama acesa, se é que pode-se dizer assim. Olhando de longe, eu só queria sentir um pouco de vida, um pouco de paixão, pois eu não tinha mais nenhum prazer.

Uma parte de mim, a racional, sabia que aquele relacionamento não era pra mim, mas eu insisti, era melhor ser alguma coisa do que ser nada, e eu fui uma boa namorada. Fui uma boa filha, me tornei o meu pai pra elas, achei que tinha obrigação de cuidar de tudo e ser um suporte pra elas, cuidei do Coruja, cuidei da minha mãe, da minha irmã, do namorado, do filho do namorado, e não tinha ninguém cuidando de mim. Eu fui me anulando, abrindo mão de partes de mim... 

Então, meu namoro começou a ruir, eu comecei a cair na real e ver que eu estava errando comigo, aceitando coisas que ninguém deveria aceitar, de falta de higiene à infidelidade, com ciúmes e inseguranças. Eu tentei ser o apoio emocional, a cura das feridas e a cura das inseguranças. E com isto eu engordei, adoeci mentalmente, fui sumindo... 

Em 2021, bem no começo, em fevereiro, eu sofri mais uma perda. Já escrevi aqui várias vezes sobre ele, o Theo Fraga. Eu não imaginei como a morte precoce dele pudesse me atingir tanto, ele era muito novo, muito talentoso e uma pessoa incrível! E se foi mais um pedaço de mim, ele parecia muito comigo, a parte introspectiva, o gosto pela música, a intensidade, as crenças, a sensibilidade, e eu era feliz por saber que ele existia no mundo. Quando ele partiu, meu ex ficou com ciúmes, sentiu ciúmes do texto que escrevi pra ele, disse que a morte dele havia despertado uma paixão, como se isto fosse possível, meu amigo, uma pessoa linda que nunca deveria ter cometido suicídio, me despertou o luto, me despertou a tristeza de nunca mais o ver, e ele sentiu ciúmes, foi algo incompreensível, aquilo foi como chutar cachorro morto, e o cachorro era eu. Ele não é capaz de sentir empatia, e a gota d'àgua foi a mãe dele me mandar um áudio dizendo que estava preocupada com o filhinho de 30 anos que não saia da aba dos pais, egoísta, irresponsável... Ela sentiu ciúmes por ele, por eu estar de luto. Naquele momento eu abri os olhos, eu fiz uma chamada de vídeo, e não disse que a mãe dele e mandou mensagem, disse que percebi que ele estava chateado, dando corda pra ele... E ele com lágrimas nos olhos, como se eu tivesse o agredido, ele disse " ah, você percebeu, que bom", e continuou " eu sei que você está sofrendo, mas eu me senti invadido pelas coisas que você escreveu, acho que despertou uma paixão antiga. Uma vez um amigo (não lembro de onde) morreu e eu não fiquei daquele jeito", e eu repetia " qual parte do "ele cometeu suicídio você não entendeu?, Você não é a vítima aqui, ele é", Então ele disse " você nunca escreveu daquele jeito pra mim"... Nesta hora eu disse um palavrão, eu escrevia, postava fotos, exaltava ele o tempo todo porque eu estava apaixonada por ele, completamente cega e burra, e ele pedia pra eu não postar tanto, não respondia, tinham que pedir pra ele reagir porque ele não estava acostumado em ser amado, em receber afeto. Naquele momento eu percebi o erro que cometi, há um mês (ou dois) eu tinha deixado de seguir o Theo e outros caras porque o inseguro estava incomodado, eu queria diminuir a insegurança dele e cometi este erro. Ali foi o fim definitivo. 

O infeliz se autoproclamou um egoísta quando eu falei com a ex dele pra tentar que o meu sobrinho e o filho dele mantivessem contato independente de mim e do pai, não tinha necessidade da amizade das crianças acabar, mas ele é tão egoísta que não deixou. Me mandou uma mensagem querendo conversar, dizendo que me amava mas que o filho dele disse que faria novos amigos, é esta educação ele dá, é esta atitude infantil e mais uma vez egoísta que ele tomou. 

Então, eu segui minha vida... Não senti dor pelo fim do relacionamento, senti o luto pelo Theo, eu dei sorte de uma amiga ele vir falar comigo no instagram sobre ele, eu precisava falar dele com alguém que o conhecesse e pudesse me dar algumas informações sobre o ocorrido, e foi muito bom poder falar com ela. Eu reli nossas conversas, e os sinais que ele mostrava de ansiedade e depressão, mas eu não tinha o conhecimento que adquiri com o tempo, se fosse hoje eu teria percebido, e fiquei pensando nisto por muito tempo. Então eu entrei em um segundo luto sem ter terminado o primeiro. Não lamentei pelo fim do relacionamento, mas lamentei por eu ter desejado aquilo, lamentei eu ter desejado ter uma vida com uma pessoa tão, tão insignificante e tosca. 

Em novembro de 2021 eu surtei, eu estava me controlando, estava sendo quem eu tinha de ser em casa, no trabalho, preocupada com meu gato velhinho que dependia de mim e do meu salário, assim como minha mãe e irmã, e quando a dona da casa que estávamos nos pediu pela segunda vez pra sairmos que ela precisava da casa, eu surtei, eu gritei tão alto com todo mundo. Todo mundo acha que é legal pra quem surta, que é engraçado, que de alguma forma é uma libertação, mas é doloroso, vergonhoso, a gente fica exausto e arrependido de ter ofendido as pessoas que a gente ama, porque são elas que estão por perto quando a gente surta, é com elas que a gente tem a liberdade de surtar e ser um babaca. Depois daquele dia eu resolvi que precisava mesmo de terapia, eu não queria mais surtar... 

Então eu comecei em dezembro daquele ano a terapia. Em janeiro de 2022 eu perdi o coruja, e como uma tempestade eu voltei ao luto, e me vieram a tona as pessoas que perdi. Meu pai, o Theo, o coruja, 

minha personalidade. Eu amava tanto aquele gato, eu me fiz de tripas o coração pra cuidar dele, e nada foi suficiente pra ele ficar mais tempo com a gente. Eu caí numa depressão profunda.




Eu entrei em um buraco, escuro, frio, sem nenhuma luz, sem esperança, sem cor...
Em março de 2023 eu fui ao neuro e marquei psiquiatra por recomendação da psicóloga. Então eu comecei a me medicar, e este começo foi horrível. Eu fiquei completamente dopada por conta de uma prescrição médica errada de um profissional do SUS. Eu não sentia nada, eu mal conseguia falar, comer, dormir... Até que eu consegui um pouco de força e troquei de neuro. Eu descobri que tenho epilepsia desde criança e nunca cuidaram direito pelo SUS. Descobri que tenho depressão ansiosa desde criança por conta de uma situação com meu irmão... Dentro de 3 a 4 meses conseguimos ajustar a medicação, então voltei a ensaiar com a banda, e meu humor começou a se estabilizar. 

Fiz aula de canto novamente, subi no palco e cantei uma música da Adele que era um grande desafio pra mim, e isto me ajudou muito na minha autoconfiança. 

Em agosto, perdi a Jadinha. Perto do show da banda e um pouco depois do meu aniversário. Desde o final de julho ela estava mal, durante 2 semanas fizemos medicação com acompanhamento de perto da veterinária, mas ela tinha uma massa no pâncreas, que acredito ter sido um tumor,  pois ela vomitava muito, e só emagreceu apesar de termos a alimentado com ração específica pra ela ganhar peso. Apesar dela fazer tanto esforço pra melhorar, e era visível que ela queria viver mais, não tivemos mais o que fazer a não ser realizar a eutanásia. No dia 12 de agosto levamos ela no vet para nos despedirmos, a tarde eu tive ensaio e mesmo assim eu fui e tentei dar o melhor de mim. Domingo, dia 13, foi dia dos pais, eu fiquei o dia todo prostrada no sofá, do jeito que acordei. Senti saudade da Jade, senti saudade do meu pai, senti que precisava daquele tempo pra ficar triste, quieta, isolada, e viver aquilo. Dia 14 de agosto começaram as minhas férias de 15 dias, o que foi ótimo pra eu me recuperar e fazer só o que gosto. 

Em setembro foi como uma libertação, apesar da dor eu fiz o show super tranquila e confiante, no mesmo dia eu fiz minha primeira tatuagem no clube dos Hells' Angels, e eu adorei! Agora, aos 33 anos eu me sinto eu novamente. Eu estou curtindo tanto minha solitude, minha personalidade, que eu sou e finalmente entendo o que é amor próprio. É sentir que só eu me basto, que eu sou a minha melhor companhia, que eu não preciso conviver com quem me deixa inseguro, não preciso ser legal com todo mundo, não preciso ser o que esperam de mim, só preciso ser eu mesma, gostem ou não. Não faço questão que gostem de mim ou que me aceitei, eu me basto. Não preciso ter um cara que me ama pra eu ser completa, eu sou completa e hoje eu sei quem eu sou. 

Eu sou uma mulher que gosta de ter uma banda de rock, cantar para os outros, gosta de fazer o que quiser e quando quiser, ama trabalhar e ser criativa, não quer casar, não quer ser o que a sociedade diz que uma mulher tem que ser aos 33, não quero me preocupar com aparência, apenas com a saúde, quero continuar cuidando da minha saúde mental, do meu corpo e ter a mim mesma como principal suporte, afinal, ninguém vai vir me salvar. 


Eu posso dizer que finalmente eu estou em paz comigo mesma, fazia muito tempo que eu não gostava de mim e da minha companhia. Em novembro eu planejo ir para algum lugar sozinha, um hotel, com piscina, levar um livro, um bikini, e curtir sozinha, se tiver uma banheira melhor, levo meus sais de banho com cheirinho de capim ão e curto a solitude. Quem sabe faça um ensaio sensual só pra mim, pra eu me sentir sensual e sexy, independente de um cara me falar isso, não preciso de ninguém pra me afirmar, eu me auto-afirmo, eu me garanto, e posso fazer o que eu bem entender!

Faz três horas que estou escrevendo, uma hora pra cada ano que vivi, que doideira! 








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